ARTE E POESIA
ROTA INTERIOR
sou furacão, nascida em desertos férteis de sonhos.
caminho descalça por pensamentos que borbulham.
meu tempo sabe ser infinitamente fugaz.
minha música é voz que se cala em êxtase.
a lua se envaidece ao ver-me refletir seu fulgor.
o sol se aquece de mim.
as estrelas piscam meu nome.
frente ao universo me acolhendo
em prece comovida,
sou gratidão.
Campinas, 14 01 16
A ONÇA E O PÔR DO SOL
os últimos raios de sol
sobre a pele pintada,
aquecem e acariciam seu dorso.
é cedo.
as cicatrizes do tempo não podem mais magoá-la.
ainda assim, lambe uma a uma.
herança de dor.
puro reflexo.
vestígios da memória,
cuidando das crias que partiram
rumo ao próprio entardecer.
está só.
o homem, ávido de sua força,
de sua beleza e de sua alma,
habita longe dali.
está segura.
o horizonte acolhe seu olhar agateado.
estica-se para despertar da lânguida preguiça.
com respiração calma e profunda.
é hora de caçar.
Campinas, 08 03 16
A LOBA E O AMANHECER
a manhã transpirava
pelos poros da pequena loba.
raios de sol
transformavam em caleidoscópios
as gotículas da chuva que findava.
com orelhas aprumadas, espera
por pequenos corpos sonoros.
o coração em toada
desafia a paciência,
mas ela persiste, imóvel.
surge o rumor aguardado
então, salta livre, feliz,
distraída dos olhos que a fitavam.
vira em sobressalto ao perceber
o jovem lobo que se aproxima.
rende-se logo àquele
que será o companheiro da sua sorte.
seduzida, esquece a preia.
descobre-se fêmea.
é hora de dançar.
Campinas, 11 03 16
O LEÃO E A SAVANA
O guardião dos sonhos do guerreiro
repousa os olhos na planície.
Treme o chão da savana
que acolhe seus passos enfeitiçada.
Respiram na mesma cadência.
O vento cálido apetece
seu espírito de flecha.
Contempla a savana
com olhos de caça,
a fim de leva-la consigo.
Ela balança os capins dourados
saudosa da juba plena de sol.
A tarde se deleita em refletir
o rastro de cristais que a chuva
derramou pela manhã.
Brota da terra um hálito quente
que amansa seu coração.
Em paz, o leão medita
no habitat da sua pujança.
O coração pressente
que novo combate se acerca.
Seu pensamento é horizonte
sem tempo de recuar.
O guerreiro sonha.
É preciso partir.
E você guardião,
o que sonha?
Campinas, 12 04 16
DUAS VIDAS
fiz dos meus olhos seus olhos
dos meus passos seus passos
falei mais alto enquanto
sua voz adormecia
entreguei-lhe meus braços
com nossos corpos unidos
machuquei minhas mãos
para compensar as suas
tentei viver duas vidas
que não cabiam em uma
chorei todas as suas lágrimas
para que a correnteza
formada nos conduzisse
a um porto calmo
de tardes quentes
como um beijo doce
e pudéssemos voltar a ser
cada qual o espelho
da sua própria vida
e olhar o horizonte
amorosamente
lado a lado.
Campinas, 13 11 16
O TEMPO
por que nossas horas não se ajustam?
as minhas são lânguida preguiça,
as suas, galope de guepardo.
por que dialogamos em desconcerto?
minha voz quer seduzir seu silêncio,
e sua música silencia todas as vozes.
por que seu olhar de infinito me escapa?
tenho fome do seu encanto,
e você do meu arrefecimento.
por que seu mistério me aprisiona?
invejo sua determinação,
e você desdenha da minha impaciência.
por que me controla com tanto vigor?
finjo escapar de sua teia,
e você zomba da minha ingenuidade.
por que carrego suas marcas em mim?
ofereço minha pele, enquanto
nela desenha sem piedade.
só minha poesia o instiga.
não fuja,
me abrace,
me acalme,
me liberte, tempo!
Campinas, 12 09 16
MINUTOS OCULTOS NA POEIRA
Resgato minutos perdidos em camadas de poeira,
mergulhados no silêncio do pó frio.
Que venham à luz, instantes esquecidos,
a confrontar segundos tão diversos
dos que me foram contados.
Palavras vãs esquecem
que no tempo repousa a história.
O tic-tac dos minutos ocultos na poeira,
me desperta para a verdade.
Salto, 19 08 13